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Institucional

March 19, 2025

4 min de leitura

Fofoca, novela e… branding? A “budega” que me ensinou o valor do propósito

Quem conhece o Brasil para além da Faria Lima sabe que é nas periferias que os pequenos comércios ainda reinam.

Fotografia de uma senhora atrás do balcão de um mercadinho simples, cercada por pães, produtos de prateleira e itens de conveniência.

Longe da invasão das grandes redes varejistas, ainda é possível dar bom dia ao seu Zé da padaria, à dona Maria da lanchonete e ao seu João, dono do mercadinho do bairro. Agora, se você é cearense como eu – ou ao menos nordestino – há de convir que bom mesmo é ter uma “budega” perto de casa. Sim, “budega” (com “u” mesmo). A ‘budega’ é aquele comércio de família, quase sempre sem nome ou placa, onde se encontra de tudo. De quilos de arroz a frango depenado. De botijão de gás a rapadura. Na minha infância, por exemplo, era comum comprarmos salgadinho na “budega da Dona Necilda”, mas queijo coalho a gente sabia que o melhor era o da “budega do Derlô”. E aquilo nos bastava. Sem supermercados. Sem “CPF na nota”.


A resposta me pareceu mais clara quando, durante uma conversa informal, perguntei à Dona Mazinha: a senhora pensa em parar? E ela sorriu simulando um “não” com a cabeça. “Se eu parar, onde que o pessoal daqui vai ver a novela, conversar e falar da vida alheia?”. Rimos juntos, mas aquela resposta ficou martelando na minha cabeça por dias. Até que anotei a frase no meu bloco de notas e, naquele instante, tudo fez sentido: propósito… impacto… bingo!”


Pois bem, notem que em sua curta resposta, Dona Mazinha não citou a disponibilidade dos produtos que vende, muito menos a falta de acesso da comunidade a outros comércios. Ela não citou os preços que pratica, nem mesmo qualquer promoção que tenha feito. Ela citou a novela, a conversa e, claro, a fofoca. E foi assim que, sem querer e sem qualquer faculdade de Marketing, Dona Mazinha me deu uma aula curta, mas certeira.


O propósito de uma marca deveria vir primeiro que a própria existência dela – assim como seu impacto. E mais! O propósito não nasce pra servir à marca. É exatamente o contrário. Marcas existem para que propósitos possam ser reconhecíveis. É isso! A comunidade de Boa Esperança sabe exatamente o que esperar da “budega da Dona Mazinha” e sabe que lá é mais do que um lugar onde se compra o trivial da casa. É o lugar onde algumas mulheres se queixam do dia-a-dia doméstico e onde adolescentes passam em clima de resenha depois da escola. É um local de socialização e acolhimento!

Ilustração de uma mercearia de rua com um vendedor atrás do balcão e um grupo de quatro pessoas conversando do lado de fora

Concluindo o pensamento: o que nós, meros estudiosos de marcas, podemos aprender com a Dona Mazinha? Eu diria “buscar o propósito a partir do qual um negócio foi pensado e só depois desenvolver sua plataforma de marca e uma estratégia perfeita para justificá-lo”. Além disso, adicionaria  que é preciso considerar o impacto que uma marca tem em si, em seu público e na comunidade onde atua – para o bem ou para o mal. Afinal, o que não falta são empresas que pecam ao desconsiderar esses impactos.


Essa reflexão só reforçou minha curiosidade sobre como marcas constroem (ou ignoram) sua relação com o público. E mais ainda sobre o valor do propósito na construção de uma identidade forte. Afinal, se até a “budega” da Dona Mazinha tem um propósito claro, o que dizer das grandes marcas que ainda patinam nesse conceito? Talvez porque elas não sabem o que seus públicos precisam e querem de fato.


E o mais legal de tudo isso foi ter entrado nessa epifania a partir de um papo leve e cotidiano com uma mulher simples do interior: Dona Mazinha, minha mãe.

Escrito por: 

Wendel Albuquerque

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